Friday, March 4, 2016

Brasil de Evo

MATIAS SPEKTOR

Evo Morales perdeu nesta semana a luta pelo quarto mandato, seu primeiro fracasso eleitoral em dez anos. O jogo boliviano mudou, e seu impacto será sentido no Brasil.

Evo chegou ao poder na esteira de uma onda de protestos a favor da nacionalização das reservas de gás natural. De olho na consolidação de sua autoridade, expropriou a Petrobras, vista por sua base de apoio como uma predatória empresa multinacional.

Em nenhum momento, porém, Evo concebeu uma ruptura com o Brasil. Sua retórica nacionalista era exaltada e seus vaivéns levavam o Planalto à exasperação, mas ele indenizou a empresa e prometeu negócios polpudos.

Lula optou por não antagonizar o vizinho, mantendo as comunicações desimpedidas e tentando maior aproximação, embora Evo hesitasse, atrasando ou resistindo ao pedido brasileiro de cooperação.
Lula agiu assim em parte por afinidade ideológica, mas acima de tudo por realismo. Evo era um dínamo, expandindo seu domínio eleitoral apesar de sucessivos protestos violentos. Depois de um grave confronto com as Províncias de oposição, Evo conseguiu dobrá-las. No processo, jogou para a plateia, expulsando diplomatas americanos ao mesmo tempo em que, nos bastidores, negociava com Washington sem parar.

A força dele vinha do crescimento anual de 5%, com queda da pobreza e do analfabetismo, aumento do consumo e do gasto público. Evo terminou abocanhando o apoio dos pobres e da elite empresarial.
Nesses anos, Evo jorrou dinheiro nas Forças Armadas e na polícia, foi duro com os sindicatos e reprimiu protestos indígenas. Hoje proliferam contra seu governo denúncias de autoritarismo, tráfico de influência e corrupção.

A derrota desta semana vem acompanhada de deterioração do ambiente econômico. Com ou sem ele, o ciclo positivo da Bolívia parece terminar.

Isso afetará o Brasil. Dividimos 3.400 km de fronteira porosa, onde sobram problemas de circulação de gente, contrabando, narcotráfico, posse de terras, pragas e doenças que afetam nossa produção de gado e soja. Além disso, a Bolívia ainda pode ser manchete do petrolão.

Nesses dez anos, a relação com Evo foi vitrine do melhor e do pior da diplomacia brasileira. A embaixada brasileira em La Paz fez trabalho primoroso quando havia interesses e vidas brasileiras em risco. No entanto, foi lá que amargamos o maior desastre dos últimos tempos, quando a ausência de mecanismos eficientes de gestão de crise, em Brasília, fez de um senador boliviano motivo de perigosa e desnecessária fricção.

Tirar lições desse passado é fundamental para que o Brasil possa gerir a relação durante o que resta do mandato de Evo e o que virá.

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De FOLHA DE SAO PAULO, 25/02/2016

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