Tuesday, March 29, 2016

Amós Oz e a cura para o fanatismo

Por Eder Alex 

Neste momento em que o país parece enfrentar não uma crise política, mas sim um apocalipse zumbi, com hordas se enfrentado nas ruas e nas redes sociais em defesa de pautas mais confusas que os roteiros do Charlie Kaufman, Como Curar um Fanático chega a ser um alento, por nos fazer ver que no mundo moderno, ainda há pessoas que seguiram o conselho do ET Bilu e buscaram conhecimento.

O livro, lançado pela Companhia das Letras, com tradução de Paulo Geiger, é uma coletânea de palestras e ensaios escritos pelo israelense Amós Oz (A Caixa PretaJudas, etc) ao longo dos últimos anos. “Em louvor às penínsulas” é a transcrição do discurso que ele proferiu na manhã seguinte aos ataques terroristas na França, no final de 2015. Já “Como curar um fanático” e “Entre o certo e o certo” são ensaios que discutem os conflitos entre Israel e Palestina. Há também um artigo sobre o Acordo de Genebra publicado originalmente em 2003 e o livro fecha com uma entrevista curtinha em que o autor fala um pouco sobre seus posicionamentos diante dos conflitos na Faixa de Gaza.

Amós Oz sugere dois antídotos contra o fanatismo, o humor e a curiosidade: “Fanáticos não têm senso de humor, e raramente são curiosos. Porque o humor corrói as bases do fanatismo, e a curiosidade agride o fanatismo ao trazer à baila o risco da aventura, questionando, e às vezes até descobrindo que suas próprias respostas estão erradas”. E aí o autor parte para uma reflexão muito interessante a respeito do papel da literatura diante das situações de conflitos, pois através da arte teríamos uma oportunidade de criar empatia, de enfim se colocar na pelo do outro (do inimigo, até) e tentar perceber as coisas sob uma perspectiva diferente. Ele não quer dizer com isso que um romance seria ingenuamente a salvação da humanidade e nos livraria do Estado Islâmico, mas sim que a ficção, por nos permitir novos olhares, mais contidos e reflexivos, talvez nos torne seres humanos menos intolerantes.

O escritor acredita que aquilo que chama de “infantilização da sociedade” e sua relação com o consumo, decorrente da globalização, substituiu conceitos do século passado que eram calcados na ideia de que “amanhã será um dia melhor – façamos sacrifícios hoje”. Isso tudo, segundo Oz, foi substituído pelo desejo imediato, pela ilusão da felicidade plena aqui e agora. Como esta felicidade se tornou um angustiante imperativo, temos então a essência do fanatismo: o desejo de forçar outras pessoas a mudar. “O fanático está mais interessado em você do que nele mesmo, pela muito simples razão de que o fanático tem muito pouco de ‘ele mesmo’, ou nenhum ‘ele mesmo’”.

Ao demonstrar que o fanático é uma pessoa que prefere sentir, a pensar, o autor fala sobre uma conversa de um amigo com um motorista judeu que dizia ser imprescindível para o seu povo que todos os árabes fossem assassinados. Diante de tal afirmação, o amigo que conversava com esse motorista argumentou: “OK, suponha que você seja designado para algum bloco de residência em sua cidade, Haifa, e você vai bater de porta em porta e perguntar: ‘Perdão, senhor, com licença, senhora, por acaso o senhor / a senhora é árabe?’. E se a resposta for sim, você atira nele /nela. Aí você termina o serviço e está pronto para ir pra casa, mas assim que se vira, você ouve em algum lugar num quarto andar de seu bloco o choro de um bebê. Você voltaria para atirar no bebê?”.

Há muito tempo Amós Oz reflete sobre os conflitos entre Israel e Palestina e, geralmente, ele resume a situação como sendo trágica porque se trata do lado certo lutando contra o lado certo, uma vez que os dois países têm razões perfeitamente aceitáveis para querer a posse daquelas terras. Portanto, a luta pela paz não tem nada de pombinhas brancas e mensagens edificantes, a visão romântica cai por terra justamente por causa desse tipo de paradoxo, que demonstra que uma guerra é muito mais complexa do que bonzinhos VS malvadinhos. O autor deixa bem claro o seu posicionamento a respeito desta questão, ao jogar no colo da Europa a responsabilidade por tornar esse conflito tão complicado: “A Europa, que colonizou o mundo árabe, explorou-o, humilhou-o, tripudiou sobre a sua cultura, controlou-o e usou-o como playground imperialista, é a mesma Europa que discriminou judeus, perseguiu-os, atormentou-os e por fim assassinou-os em massa num crime de genocídio sem precedentes”.

O único problema do livro é a repetição, já que várias ideias e até mesmo algumas frases inteiras se repetem ao longo dos diferentes discursos. Mas isso é quase insignificante, diante da magnitude das ideias e reflexões que a obra nos proporciona.

Num mundo em que as pessoas andam armadas com certezas e verdades absolutas (ideias prontas que são apenas compartilhadas num rápido clique, já que foram moldadas por outras pessoas – o fanático não pensa por si mesmo – para corroborar um determinado discurso ideológico), é absolutamente necessário ler um escritor que propõe nos colocarmos no lugar do outro, não para o mudar e nem para odiá-lo, mas sim para tentar compreendê-lo: “Mesmo quando se está 100% certo e o outro 100% errado, ainda é proveitoso pensar sobre o assunto”.


__
De SEPHATRAD (blog de Isac Nunes), 29/03/2016


No comments:

Post a Comment